Kenshusei: formação de instrutor

foto: Cadu Souza

Há muitos anos, noto a necessidade de investir na formação das futuras gerações de instrutores de Aikido. Pelas características inatas da nossa arte, tendemos para um amadorismo quando comparados a outras práticas marciais. Isso não é negativo e nem positivo, é apenas uma realidade. Se por um lado não sofremos pressões para mudar nossa prática de acordo com “supostos interesses mercadológicos”, por outro, provemos menos condições de formarmos profissionais dedicados exclusivamente para o Aikido. Além disso, nas minhas inúmeras viagens pelo Brasil, noto que em muitas capitais e grandes centros, sequer os praticantes tem condições de treinar todos os dias Aikido, mesmo que se matriculassem em todos os Dojos locais, o que me faz crer que o nível técnico da nossa arte corra um sério risco de cair num futuro. E convenhamos, qualquer cidadão sabe que, para melhorar uma comunidade, a educação é o melhor caminho de transformação. E o primeiro passo para isso é formar bons professores. No Aikido não é diferente, para que melhoremos, ou que continuemos a evoluir, tenho a certeza que é necessário investir no treinamento dos instrutores.

Não raro, muitos me perguntam o que é necessário fazer para virar um instrutor de Aikido? Na realidade, não existe um curso de formação no Brasil, muitos menos um órgão oficial que regule quem está autorizado a dar aulas da arte. Por saber como são feitas “as salsichas”, tenho minhas dúvidas que as instituições poderiam prover cursos e regular o ensino do Aikido. Além disso, uma das características mais fortes da pedagogia do Budo, do caminho marcial japonês, é o Ishin denshin, a transmissão direta de coração para coração. A origem dessa expressão vem do Sermão da Flor, quando Sidarta Gautama, o Buda, convocou seus discípulos para discursar sobre o Dhrarma. Quando todos estavam presentes e ansiosos pelo sermão, Buda permaneceu por um longo período em completo silêncio e depois levantou uma flor. Muitos começaram a questionar e racionalizar o que isso significava, mas sem sucesso em compreender aquele gesto. Porém, ao fundo, Mahakashyapa apenas sorriu e, nesse instante, Buda falou:

Apenas tu, Mahakashyapa, compreendeste o segredo da Mente do Nirvana, o ensinamento que é transmitido de coração para coração e de mente para mente. Essa é a real percepção do dos meus ensinamentos, o verdadeiro Olho do Dharma. O meu maravilhoso saber é seu.”

Sendo assim, não creio também que cursos, no estilo da educação ocidental, sejam o caminho para formar instrutores no Aikido. Na minha visão, a resposta está justamente no Ishin denshin (以心伝心), na transmissão de coração para coração, seguindo a tradição oriental, tal qual o fundador do Aikido também aplicava aos seus alunos.

foto: Nina Gocke

Atualmente, dentro do Aikido, e de outras artes marciais japonesas, esse processo de formação de instrutores chama-se Kenshusei. Porém, esse método não é apenas voltado aos que almejam virar profissionais da arte. Todos que desejam realizar uma imersão mais profunda, engajar-se intensamente e ter o Aikido como prioridade, ao menos pelo decorrer desse treinamento, o kenshusei é um método recomendado. No entanto, cabe aqui uma ressalva: se o objetivo do aluno é obter um certificado, ou ter um reconhecimento formal, não creio que seja esse o meio recomendado. O cerne desse método não é a diplomação, mas a experiência. É para aqueles que desejam vivenciar de forma profunda a entrega ao caminho, através de uma prática intensa e constante, como uma forma de descobrir e desenvolver seu verdadeiro eu e potencial de vida.

Aqueles que desejam vivenciar essa experiência devem saber que, embora possa vir a ser uma forma de dar um grande salto evolutivo e positivo no Aikido, o treinamento será desafiador e, muitas vezes, exaustivo. A prática nessa formação é mais rígida, bem como o nível de exigência é muito mais alto, buscando que o aluno/a identifique e supere seus limites. A atitude mental correta é fundamental, bem como o comprometimento e disciplina, não apenas consigo, mas com o Dojo, seus membros e instrutores. Essa postura é imprescindível para qualquer Aikidoka, mas para aqueles que estão vivenciando esse processo ela deverá ser mais evidente.

Essa formação pode ser feita de duas formas: uchideshi (alunos residentes) e sotodeshi (alunos não-residentes).

Requisitos

Para iniciar a formação de instrutores é necessário ser ao menos 2° Kyu de Aikido, treinar por um período de ao menos 3 meses no Seimeikan Dojo, bem como enviar uma carta com sua Biografia e o que busca na sua formação no caminho do Aiki.

sotodeshi

  • Treinar no mínimo 15 horas por semana (ao menos 12 horas de treino supervisionado no Dojo, e mais 3 horas de práticas individuais)
  • Fazer os treinos de Buki Waza (armas)
  • Leituras obrigatórias
  • Participar dos Seminários Internos do Dojo
  • Ao menos por uma semana, durante o período de formação, residir no Dojo (esse requisito só é obrigatório aos menores de 50 anos)
  • Tomar iniciativa e participar plenamente da manutenção do dojo.

uchideshi

  • Obrigatório comparecer a todas as aulas abertas Dojo (as particulares somente se convocados). Mesmo que não tenha condição física de executar a aula, deve ficar em silêncio, do lado de fora do tatame, observando atentamente.
  • Leituras obrigatórias
  • Por ser aluno/a interno/a, deve estar no Dojo desde a noite de domingo até o final das aulas no sábado. Sábado à noite e domingo são tempo livre, exceto seminários locais.
  • Responsável pela manutenção, zelo e segurança do Dojo.

A duração do Kenshusei depende do nível de cada praticante, podendo variar de 12 meses a seis anos, pois cada indivíduo é único e tem seu tempo natural aprendizado. Durante esse processo, ocorrerão algumas aulas teóricas, desde a filosofia do Aikido e do Budo, sobre a história da nossa arte e das artes marciais em si, além de práticas de primeiros socorros e outras atividades culturais japonesas.

Há mais de vinte anos, quando falei para o meu mestre, o Ono sensei, que gostaria de viver de Aikido, ele me deu todo suporte para isso. Quero poder retribuir essa benção que tive, prover uma estrutura onde mais praticantes, que amam o Aikido, possam também se dedicar ao caminho e até viverem de dar aulas. Em setembro agora iniciarei com o Kenshusei no Semeikan Dojo , aos interessados/as fico à disposição.

4 comentários em “Kenshusei: formação de instrutor

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  1. Parabéns pela iniciativa, coragem e gratidão. Que tragam ótimos frutos ao Aikido Brasileiro e mundial. Sucesso Sensei !!! 🙇🏻‍♂️🙏

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  2. Muito bom, ótima idéia Leonardo Sensei!

    Sucesso e espero que o pessoal aproveite bastante a experiência, aproveitando todo o conhecimento que você adquiriu ao longo dos muitos anos de prática intensa.

    Um forte abraço

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