Uma jornada de mil quilômetros

Saotome sensei relata no seu livro “Aikido e a Harmonia da Natureza” uma conversa que teve com seu mestre Morihei Ueshiba, fundador do Aikido. Falavam sobre os ensinamentos do monge Zen Ryokan Zenji, quando O’sensei testa seu discípulo com um koan:

− Saotome kun, você acaba de voltar da horta. Quantos passos deu para chegar aqui? – perguntou o O´sensei.

− Talvez cinquenta ou sessenta, não sei ao certo. Talvez eu…

− Quanto tempo treina Aikido? Por que não compreende a minha pergunta? Uma jornada de mil quilômetros começa com um passo.

Há alguns anos venho percebendo a necessidade de termos meios de financiamento para promover o Aikido. Organizar seminários, investir na formação de instrutores e dos praticantes, prover recursos para manutenção de dojos, tudo isso exige dinheiro. Para que a nossa arte possa crescer e atingir mais gente não basta apenas boa vontade, precisamos planejamento e captação de recursos.

Numa conversa com o Frederico Bacelar, ele falou sobre Endowment, que são fundos patrimoniais voltados para causas altruístas. Fiquei entusiasmado, relatava para muitos que tinha intenção de iniciar algo assim. A pandemia chegou e mostrou que não basta ter ideias, tenho que executá-las. Caso isso já estivesse em andamento muito poderia ser feito para prover meios de superar as dificuldades que agora se apresentam.

O texto abaixo é de autoria do Frederico Bacelar e explica o que é e como funciona um Endowment, bem como por quê devemos ter algo assim para o Aikido. É evidente que se trata de um projeto de longuíssimo prazo pois irá requerer muito tempo até que se consiga um volume realmente significativo, mas tudo começa com um primeiro passo.

AIKIFUND: USANDO FINANÇAS PARA DESENVOLVER O AIKIDO

por Frederico Bacelar

Desde o início da sua prática no Aikido, quantas vezes você participou – ou pelos menos ficou sabendo – de uma arrecadação para a manutenção de um dojô ou para cobrir os custos de um seminário de um sensei que mora muito longe? Eu aposto que, principalmente agora nos tempos difíceis que passamos, pelo menos uma vez.

Sejamos realistas: o Aikido tem muitos pontos fortes, mas quando se trata de recursos financeiros, o mundo do Aikido é muito fraco. A comunidade aikidoísta faz das tripas o coração: treinamos muitas vezes em espaços pequenos ou os dividimos com outras atividades, porque o aluguel é o que cabe no bolso. Passamos vontade em ter seminários com diversos senseis estrangeiros famosos, porque “o dólar está muito caro”. Já fizemos tantas vaquinhas para financiar grandes sonhos que até sofisticamos o termo para crowdfunding! Aikido e dinheiro não parecem sempre andar de maneira harmoniosa. Mas terá que ser sempre assim? E se houver uma alternativa?

Endowment é um tipo de fundo patrimonial voltado para uma causa altruísta específica, onde seus recursos são provenientes de doações. Por exemplo, um endowment pode financiar uma determinada atividade ou patrimônio cultural, dar recursos para pesquisa de um campo específico da ciência ou prover recursos para uma determinada causa ou instituição – tudo isso feito de maneira transparente e democrática. O grande diferencial do endowment é que ele aplica o dinheiro doado e só gasta parte dos rendimentos financeiros provenientes do investimento, nunca as doações que recebeu. Isso tem duas consequências práticas: a primeira é que todo valor doado será perpetuamente utilizado a favor da causa que o fundo ajuda; a segunda é que o fundo, com o passar do tempo, aumentará automaticamente seu tamanho e poderá alocar cada vez mais recursos à sua causa.

Os endowments são bastante utilizados nos Estados Unidos, principalmente os voltados para a educação. Universidades como Harvard, Yale e Stanford possuem, cada uma, seu próprio endowment que as ajuda não só a pagar as despesas necessárias das instituições, mas também a financiar as pesquisas que promovem. No mundo do Aikido, a New York Aikikai montou um endowment para apoiar o desenvolvimento de sua própria organização. Já no Brasil este conceito ainda é novo e pouco disseminado. Um bom exemplo que temos por aqui é o endowment Amigos da Poli, da Escola Politécnica da USP.

A criação de um endowment para o desenvolvimento do Aikido no Brasil poderia ajudar a arte de diversas formas. Poderíamos realizar seminários ministrados por nomes internacionalmente reconhecidos a preços mais acessíveis, melhorar a infraestrutura de dojôs e até mesmo deixar o Aikido financeiramente preparado para enfrentar crises como a que estamos passando agora.

Uma das coisas que mais me fascina no Aikido é ver a minha evolução e a dos meus colegas de tatame ao longo do tempo. Qualquer um que inicia a prática começa fazendo poucas técnicas e quedas. Com o passar do tempo a pessoa vai aos poucos melhorando seu ukemi e aumentando a gama de golpes que consegue aplicar. O endowment teria uma evolução parecida. No começo ele teria capacidade de somente ajudar em coisas pequenas. Mas com o passar do tempo ele vai crescendo, podendo fazer contribuições cada vez mais significativas ao Aikido. A diferença é que, enquanto a evolução de uma pessoa é limitada ao seu período de vida, o endowment evolui perpetuamente, beneficiando gerações futuras.

Toda crise nos dá oportunidade de aprender e melhor nos preparar para outros momentos difíceis no futuro, que com certeza virão. A crise atual que vivemos não é diferente. Um endowment para o Aikido não só nos dará condições de melhor desenvolver a arte, como também nos deixará mais preparados para dificuldades futuras, possibilitando que as próximas gerações não tenham que passar as mesmas dificuldades e limitações que sofremos hoje.

Frederico Bacelar começou Aikido com 17 anos em 2006, hoje é Nidan.
Formado em administração pela USP, trabalha a nove anos com investimentos, fusões e aquisições (M&A) e venture capital.

Esse sábado, dia 29 de agosto, terá um evento voltado para a criação desse Endowment, juntamente com a arrecadação para ajudar três dojos: Dojo Pipa, Luis Gentil sensei; Kyowa Aikido Dojo, Jeferson Soares sensei; e Campinas Aikikai, Caio Sales sensei. Cada dojo, e o fundo, receberá 25% do arrecadado.

link para inscrição e doação: https://forms.gle/Ua3WSZv7VyLTSZSf8

2 comentários em “Uma jornada de mil quilômetros

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  1. Não poder usar o valor das doações exige anos e anos para formar um capital cujo rendimento seja signicativo. Sobretudo em época de juros baixo na renda fixa. Outra questão fundamental é quem irá gerir esses recursos, sendo que para tanto o ideal seria um colegiado eleito. No entanto é certo que algo precisa ser feito. Aguardemos maiores detalhes dessa iniciativa.

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    1. Sim, Marcos! Exigirá anos de doações e rendimentos , mas além de ser um projeto a longo prazo, isso impedi que o recurso seja gasto de forma impositiva. Irei criar sim um colegiado para gerir esse recurso, bem como publicar e deixar transparente as arrecadações e rendimentos, bem como as ações que o fundo gerou em prol da prática. Abraços

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